Durante a ditadura os chamados patrulheiros ideológicos defendiam a “arte engajada”. A censura e a intolerância não eram exclusividade da direita ou do regime. Artistas, estudantes e jornalistas engajados eram tão repressivos quanto os censores da ditadura. Vigiando toda a produção cultural do país, condenavam qualquer possível simpatizante do regime militar ou omissos politicamente. As críticas eram tão duras que muitas vezes encerravam a carreira de determinados artistas os os obrigavam por vias tortas a se posicionarem. Para o jornalista Henfil, um dos colaboradores de O Pasquim, importante semanário publicado de 1969 a 1991, não havia meio termo: ou se é contra ou a favor da ditadura. Em sua coluna entitulada “o cemitério dos mortos vivos” ele fazia o enterro daqueles que simpatizavam ou se omitiam ao regime militar.
O Pasquim, teve papel importante para sacramentar o fim de carreira prematura dos irmãos Dom e Ravel e também de Wilson Simonal. Não que os artistas não tivessem sua parcela de culpa, mas como formadores de opinião, os jornalistas foram implacáveis e não pouparam críticas diante dos fatos.
Dom e Ravel, compuseram a música “Eu te amo meu Brasil” elogiada pela esfera governamental, a ponto do então governador de São Paulo em 1971, Paulo de Abreu Sodré, sugerir que fosse transformado em hino nacional. O presidente Médici simpatizou com a dupla e isso bastou para que fossem assediados por várias pessoas ligadas ao governo federal. Bastou para que O Pasquim os taxassem de mediocres. Eles foram rejeitados pelo público de esquerda que associou suas composições como ufanistas. A entrevista que concederam a revista Veja em fevereiro de 1971, foi a gota d´água para formar a imagem de mercenarios e oportunistas. Afirmaram ter feito a música “Eu te amo meu Brasil” por dinheiro e associaram falta de higiene e consumo de drogas ao anarquismo. Anos mais tarde justificaram as declarações ao mesmo que ainda ocorre nos dias de hoje, com os artistas do momento, que rapidamente tornam-se decadentes ou caem no ostracismo: falta de estrutura, base emocional e profissional e orientação.
Em 1971 também, Wilson Simonal, que tinha uma carreira sólida a quase 10 anos, viu seu mundo cair. Um escandalo envolvendo o ex-contador da Simonal Produções, Raphael Viviani demitido por justa causa por conta de um suposto desfalque, moveu um processo contra Simonal acusando de ligação com o DOPS, alegando ter sido vítima de sequestro e tortura em uma das agências do orgão de repressão. Tão logo o caso foi parar na imprensa Simonal foi taxado de dedo duro e informante da repressão no meio artístico. Henfil e O Pasquim, foram mais uma vez implacáveis: sacramentaram o fim da carreira do artista.
Ivan Lins e Elis Regina quase tiveram fim semelhante. Após serem entrevistados pelo O Pasquim foram cobrados a se posicionarem a favor ou contra o regime e diante da negativa de apoio intimados a mostraem isso em sua produção musical. Ambos trocaram letras com conteúdo taxado de ufanista pelos críticos para canções veladas de protesto. Segundo alguns artistas era preferivel enfrentar a censura oficial da direita, do que a oficiosa da esquerda.
Segundo Paulo César de Araujo:
“Mas, paradoxalmente aqueles cantores/compositores que se posicionaram como críticos e opositores a este mesmo regime conseguiram, apesar de prisões e censura, dar prosseguimento normal às suas carreiras. O que demonstra que pelo menos no campo da música popular, a ação das patrulhas ideológicas foi tão intensa quanto as forças da repressão politica. Entretanto, esta última cessou com o fim do regime militar; a outra atinge suas vítimas até os dias atuais.”[1]
[1]ARAÚJO, Paulo César de. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. Pg 292.
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