Como é sabido, a ditadura militar no Brasil foi pautada pelo autoritarismo e pela repressão. Mas a repressão não foi somente de ordem política, esta, caminhou lado a lado com a repressão moral. Na luta pela defesa da moral e dos bons costumes, a ditadura censurou e proibiu expressões que exaltassem, direta ou indiretamente, o erotismo, as inversões sexuais, o alcoolismo e tudo que fosse contrário ao projeto masculinizante e moralizante do regime. O governo demonstrava grande preocupação com a organização familiar. Esta era entendida como a base de uma grande nação, e as campanhas publicitárias oficiais enfatizavam a importância da família como sustentadora de uma sociedade saudável, pautada no controle e na disciplina.
O período posterior à decretação do AI-5, estabeleceu a virtude como ordem do dia, e a referência explícita à sexualidade era identificada como um ato de subversão. “E além de programas de TV, diversos filmes, livros, revistas, canções, e até obras de gênios da pintura foram proibidos ou mutilados pela censura” (ARAÙJO, 2005, p. 55).
Canção erótica que “inaugurou” a proibição de reprodução e execução desse tipo de música no país, foi Je t’Aime... Moi non Plus, do compositor francês Serge Gainsbourg. Lançada no Brasil em agosto 1969, pela gravadora Philips, alcançou sucesso imediato. Mais do que depressa, os agentes da repressão determinaram sua proibição em todo país. Além do veto a sua execução pública e radiodifusão, os exemplares à venda nas lojas foram recolhidos. Até aquele momento não havia censura prévia para canções estrangeiras, mas a partir da referida canção, o governo decretou que a censura prévia valeria para canções em qualquer idioma.
É notório que a produção artística de grandes nomes da MPB esteve engajada na contestação do regime militar, suas produções ficaram conhecidas como arte de protesto. Tinham claro posicionamento político e expressavam através das letras de suas canções, a oposição a ordem governamental vigente – ainda que valendo-se da “linguagem da fresta”. Apesar de você é um exemplo freqüentemente citado. Mas ao lado da repressão política imposta pelo regime, a repressão morar era exercida com igual intensidade.
Diversos artistas populares foram alvos da censura. A censura do regime militar defendendo “a moral e os bons costumes” ficava inquieta diante das canções que afrontavam seu ideal moralizante. Diversos episódios, envolvendo muitos cantores e cantoras do período, expressam como a censura não “dava folga”. Como é o caso de Odair José: “o que rolava antigamente na música popular brasileira era o namoro no portão, sob a luz do luar, e eu vim falando de cama, de pílula, de puta, de empregada doméstica, porque essa é a realidade do Brasil. Eu sou um cantor de realidade, não de sonhos” (ARAÙJO, 2005, p. 57).
Em 1973 foi vetada a música de Odair José Em qualquer lugar, sob justificativa de que a mesma seria um atentado ao pudor, exaltando livremente o amor livre. A canção foi censurada e Odair só conseguiu gravar em 1985, com o título Quando a gente ama.
Outro tema ainda tabu na sociedade brasileira, na década de 60, foi a pílula anticoncepcional. Nesse momento a pílula começava se popularizar, jornais e revistas falavam das vantagens desse moderno método. O regime militar patrocinava a BEMFAM, entidade que desenvolvia campanhas para o controle da natalidade entre as mulheres de famílias de baixa renda, e distribuía anticoncepcionais. A BEMFAM tinha postos instalados em diversas cidades no Brasil e cartazes com a mensagem: “Tome a pílula com muito amor”. Justamente nesse momento, 1973, Odair José entra novamente em cena com a canção Uma vida só ou Pare de tomar a pílula. O governo decretou a proibição do disco em todo território nacional, bem como sua execução pública.
É importante observar que os órgãos de repressão não estavam sozinhos na luta pelo estabelecimento da ordem, da disciplina, da moral e dos bons costumes. A elas se juntava um segmento forte, centrado na classe média, que, além de desejar e apoiar, também cobrava a censura. O advogado João Carlos Muller Chaves que na época se empenhava contra a proibição dos discos dos artistas da Phonogram, “afirma que os órgãos de repressão costumavam receber várias cartas criticando a liberação de determinadas gravações” (ARAÙJO, 2005, p. 67).
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Referências:
ARAÚJO, Paulo Cesar de. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2005.
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