O movimento feminista, ocorrido primeiramente na Europa e nos Estados Unidos, chegou ao Brasil na segunda metade do século XX. As mulheres conscientes de seus novos papéis na sociedade, reivindicavam agora o direito à sexualidade e a igualdade com os homens no mercado de trabalho. Exemplo de mulher liberada no Brasil foi Leila Diniz, estrela de cinema e TV, ficou conhecida em 1967 com o filme Todas as mulheres do mundo. Mas um rebuliço aconteceu, quando em 1969, Leila deu uma entrevista ao jornal O Pasquim. Até então, nunca uma mulher brasileira havia falado abertamente de sexo na imprensa. Ainda que sua entrevista não tenha sido publicada na íntegra, foi o suficiente para mobilizar o governo a criar uma severa lei prévia à imprensa, o Decreto nº 1077. um de seus artigos afirmava que, a partir daquele momento, não seriam mais toleradas publicações contrárias à moral e os bons costumes, quaisquer que fossem os meios de comunicação. Com todo esse movimento acontecendo no Brasil, as mulheres começaram a ter “maior respaldo” para indagações sobre suas próprias condições, contestando os papéis que a sociedade lhes impunha.
Junto às questões políticas e econômicas existentes durante a ditadura, os problemas do cotidiano conjugal ganham destaque: brigas, ciúmes, separações, adultério, e até assassinatos, fatos estes, que à época contribuíram àqueles que lutavam por mudanças nas leis que regiam a relação entre os sexos.
Até então o casamento era indissolúvel no Brasil. O novo projeto do senador Nelson Carneiro, da MDB fluminense, pretendia extirpara da Constituição o artigo 175, cláusula que declarava o casamento indissolúvel. Inúmeras vezes a proposta havia sido lançada, mas nunca aprovada. E ao abrir a Campanha da Fraternidade de 1975, o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, advertia à população: “volta mais uma vez aos horizontes de nossa pátria a ameaça do divórcio” (ARAÚJO, 2005, p. 162).
Os compositores “cafonas” registraram esse debate em suas canções, com uma postura favorável ao divórcio. Como foi ocaso da canção Divórcio de Cláudio de Barros: “Divórcio, eu quero, ela não quer/ divórcio, será quando quiser.../ divórcio, será que lea não entende/ que a dor que me invade reflete um dissabor?...”.
Mas a Igreja Católica não estava sozinha na luta contra o divórcio, a Justiça e a sociedade também lhe apoiavam. O regime tinha um enorme interesse de moldar a estrutura familiar, esta entendida como a base de uma nação, convocando anualmente os meios de comunicação para veicular mensagens do presidente da República a cada 8 de dezembro, Dia da Família.
Em muitas canções produzidas no período, pode-se verificar críticas à instituição casamento, sendo freqüentemente substituído o verbo “casar” por “morar”.
As autoridades da Igreja Católica se mobilizaram para combater o projeto de Nelson Carneiro, em inúmeras dioceses foi divulgado o texto “Oração contra o Divórcio”, onde rogavam a Deus pela indissolubilidade do matrimônio.
Mas as canções de apoio ao divórcio, também se ouviam através de Miguel Ângelo com O divórcio não é pecado e Lindomar Castilho O divórcio vai chegar.
Ousado e polêmico como de costume, Odair José com balada O casamento, estremeceu vários setores da sociedade. Na canção, Odair defende a idéia de que José e Maria não eram casados quando Jesus foi concebido, e que, portanto, Ele seria fruto do amor livre.
Alvo da censura foi também a novela Despedida de casado, que estrearia em janeiro de 1977, na TV Globo. Esta foi proibida sob alegação de que o autor pregava a dissolução do casamento.
Defensora das mulheres que vivem o dilema de um amor proibido pela sociedade e, conhecida como porta-voz das amadas-amantes, Cláudia Barroso manifestava essa problemática em suas canções. No bolero Duas almas: “Eu sei que todos vão nos condenar/ porém ninguém irá nos separar/ não importa o que pensem de nós dois...” a despeito das críticas provindas dos guardiões da moralidade, Cláudia Barroso continuou cantando suas canções de protesto amoroso, como Mulher sem nome, de 1976: “Me chamam de mulher sem nome/ porque gosto de um homem que tem outra mulher.../ mas quantos casamentos tão bonitos na Igreja/ terminam em brigas/ se desfazem em tristezas...”. A temática do “amor-amante” foi expressa em muitas canções do repertório “cafona”. E Odair José marcou presença com, entre outras, Amante.
“O divórcio é capricho dos instintos insaciáveis” disse o cardeal de Porto Alegre, dom Vicente Scherer, que ocupava uma cadeia de rádio e televisão gaúcha para proclamar esse tipo de discurso. (ARAÚJO, 2005, p. 171).
Mas até mesmo o repertório “cafona” – tão engajado e posicionado a favor do divórcio – teve a sua exceção com o cantor Cláudio Fontana e a balada Família, base de uma grande nação, e, como indica o próprio título, a mesma incorpora a ideologia oficial, endossando a associação entre pátria e família: “Ei, você, a quem eu dei o direito de falar por mim/ não deixe o divórcio destruir meu lar/ minha família, minha vida, não deixe não/ ... / ei, você, que faz as leis do meu país/ não deixe que eu seja mais um infeliz/ que vai viver na vida sem um lar.../ ei, não deixe o divórcio destruir/ o que de mais lindo pode existir/ a família é a base de uma grande nação...”.
Finalmente, em 20 de junho de 1977, os membros do Congresso Nacional aprovaram a lei do divórcio no Brasil.
Motivo este que rendeu inspiração a Luíza de Paula com a balada Enfim, divórcio, e Odair José com Agora sou livre: “Livre para o que der e vier/ não precisa mais ter medo da palavra amante/ pois a vida já não tem segredos/ nada será mais como antes”.
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Referências:
ARAÚJO, Paulo Cesar de. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2005.
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