O Golpe Militar de 1964

Contexto Histórico Internacional


- Pós-guerra




- Guerra fria




- Capitalismo x comunismo




- Expansionismo estadunidense





Contexto Histórico Nacional


- Populismo e herança Vargas


- Desenvolvimentismo /capital internacional

- Governo Jango





O Golpe

- Ideologia de segurança nacional

- Anticomunismo



- A repressão



- Censura



A Resistência

- Luta armada
- Contracultura
- Cinema / teatro
- Música


Música e Repressão

- Estilos musicais (jovem guarda, tropicalismo, samba, mpb, mpc )
- Contestação ao regime
- O “segundo sentido”
- Órgãos censores


Principais Músicos

- Jovem guarda
- Tropicalismo
- Samba
- MPB
- MPC

Documentário: "Música e Censura - Caminhando em Sentidos Opostos"

Clipe documentário sobre a música brasileira no período da ditadura militar que pairou no Brasil durante as decadas de 60, 70 e 80. Documentário baseado no conteúdo do site www.censuramusical.com, produzido pelos jornalistas Gabriel Pelosi, André Rocha e Lucas Mota.



Historiografia e Música Cafona

A música cafona, também chamada brega, foi excluída durante muito tempo da produção historiografica sobre música popular brasileira. Talvez influenciada pela rejeição, por parte da dita intelectualidade, que faz juízos de valor preconceituosos contrapondo a música popular brega e a música popular “culta”. O primeira seria voltada para um público “alienado” e o segundo o público “politizado".

Como nos diz o historiador Paulo César de Araujo:

“Portanto, como até agora a história da música popular brasileira foi escrita e “enquadrada” por uma elite intelectual que despreza tudo aquilo que não foi identificado à “tradição” ou à “modernidade”, é esta elite que, em última análise - e valendo-se daquilo que Marilena Chauí chama de discurso competente – define o que é bom ou ruim, o que merece ou não ser preservado na memória musical do pais.”[1]

Gerações de artistas populares não identificados com o tradicional ou o moderno, são excluídos pela elite intelectual que por sua vez vai procurar fazer valer o seu ponto de vista sobre a massa. Nelson Ned, um dos artistas associados a música cafona, lotou duas vezes o famoso Carnegie Hall, em New York, EUA, palco onde se apresentaram Frank Sinatra e Ray Charles, João Gilberto e Tom Jobim. Hoje cantor Gospel, ainda não recbeu o devido reconhecimento historiografico por parte da historiografia. Junto a ele artistas como Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Emilinha Borba e Ivon Curi (só para citar os mais conhecidos) foram relegados ao ostracismo.

Tão importante para a compreensão de nossa sociedade quanto a bossa nova ou o tropicalismo, a música cafona deve ser analisada enquanto documentos históricos. Há toda uma produção rica e diversificada que podemos encontrar por todo o país. E nós historiadores somos tão formadores de opinião quanto a mídia. Não devemos deixá-la nos apresentar o que esta perniciosa e pretensiosa elite intelectual julga ser a representação de nossa cultura.



"Os ídolos da música brega brasileira sempre viveram perto do coração do público e muito longe do gosto dos críticos. Mas a importância de Waldick Soriano ou Odair José não deve ser subestimada" - Nelson Motta fala do livro Eu não sou cachorro, não de Paulo Cesar de Araújo, exibido em 23 de abril de 2010 no Jornal da Globo.



O vídeo, a seguir, faz um histórico do que havia por trás da bregalização do país, contestando as versões "oficiais" de Paulo César de Araújo, Hermano Vianna e outros intelectuais, celebridades e setores da grande mídia.



Entrevista do escritor e pesquisador Antonio Carlos Cabrera para o programa Vitrine da TV Cultura em 30 de abril de 2007. O tema da entrevista foi o lançamento de seu livro Almanaque da Música Brega.





[1]ARAÚJO, Paulo César de. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. Pg 363.

Patrulha Ideológica

Durante a ditadura os chamados patrulheiros ideológicos defendiam a “arte engajada”. A censura e a intolerância não eram exclusividade da direita ou do regime. Artistas, estudantes e jornalistas engajados eram tão repressivos quanto os censores da ditadura. Vigiando toda a produção cultural do país, condenavam qualquer possível simpatizante do regime militar ou omissos politicamente. As críticas eram tão duras que muitas vezes encerravam a carreira de determinados artistas os os obrigavam por vias tortas a se posicionarem. Para o jornalista Henfil, um dos colaboradores de O Pasquim, importante semanário publicado de 1969 a 1991, não havia meio termo: ou se é contra ou a favor da ditadura. Em sua coluna entitulada “o cemitério dos mortos vivos” ele fazia o enterro daqueles que simpatizavam ou se omitiam ao regime militar.

O Pasquim, teve papel importante para sacramentar o fim de carreira prematura dos irmãos Dom e Ravel e também de Wilson Simonal. Não que os artistas não tivessem sua parcela de culpa, mas como formadores de opinião, os jornalistas foram implacáveis e não pouparam críticas diante dos fatos.

Os irmãos Dom e Ravel


Dom e Ravel, compuseram a música “Eu te amo meu Brasil” elogiada pela esfera governamental, a ponto do então governador de São Paulo em 1971, Paulo de Abreu Sodré, sugerir que fosse transformado em hino nacional. O presidente Médici simpatizou com a dupla e isso bastou para que fossem assediados por várias pessoas ligadas ao governo federal. Bastou para que O Pasquim os taxassem de mediocres. Eles foram rejeitados pelo público de esquerda que associou suas composições como ufanistas. A entrevista que concederam a revista Veja em fevereiro de 1971, foi a gota d´água para formar a imagem de mercenarios e oportunistas. Afirmaram ter feito a música “Eu te amo meu Brasil” por dinheiro e associaram falta de higiene e consumo de drogas ao anarquismo. Anos mais tarde justificaram as declarações ao mesmo que ainda ocorre nos dias de hoje, com os artistas do momento, que rapidamente tornam-se decadentes ou caem no ostracismo: falta de estrutura, base emocional e profissional e orientação.

Wilson Simonal

Em 1971 também, Wilson Simonal, que tinha uma carreira sólida a quase 10 anos, viu seu mundo cair. Um escandalo envolvendo o ex-contador da Simonal Produções, Raphael Viviani demitido por justa causa por conta de um suposto desfalque, moveu um processo contra Simonal acusando de ligação com o DOPS, alegando ter sido vítima de sequestro e tortura em uma das agências do orgão de repressão. Tão logo o caso foi parar na imprensa Simonal foi taxado de dedo duro e informante da repressão no meio artístico. Henfil e O Pasquim, foram mais uma vez implacáveis: sacramentaram o fim da carreira do artista.

Ivan Lins e Elis Regina quase tiveram fim semelhante. Após serem entrevistados pelo O Pasquim foram cobrados a se posicionarem a favor ou contra o regime e diante da negativa de apoio intimados a mostraem isso em sua produção musical. Ambos trocaram letras com conteúdo taxado de ufanista pelos críticos para canções veladas de protesto. Segundo alguns artistas era preferivel enfrentar a censura oficial da direita, do que a oficiosa da esquerda.

Segundo Paulo César de Araujo:


“Mas, paradoxalmente aqueles cantores/compositores que se posicionaram como críticos e opositores a este mesmo regime conseguiram, apesar de prisões e censura, dar prosseguimento normal às suas carreiras. O que demonstra que pelo menos no campo da música popular, a ação das patrulhas ideológicas foi tão intensa quanto as forças da repressão politica. Entretanto, esta última cessou com o fim do regime militar; a outra atinge suas vítimas até os dias atuais.”[1]






[1]ARAÚJO, Paulo César de. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. Pg 292.

O padrão TV Globo de qualidade

Entenda-se aqui o termo cafona classificado como feio. Esta feiura contudo não é na imagem ou na sonoridade, mas na essência. Segundo a elite intelectual faltava à música cafona o refinamento.

As novelas da TV Globo contam histórias cujas temáticas não diferem muito das músicas cafonas. Porém, entre 1969 e 1978 foram aproveitadas nas novelas da TV Globo 600 faixas musicais para composição das trilhas sonoras das produções. Porém os artistas ditos cafonas, não tinham suas músicas entre as faixas escolhidas.

A principal justificativa é o padrão estético adotado pela TV Globo em suas produções a partir de 1970. Logo aós a inauguração da emissora em 1965, nomes hoje associados a cafonisse como Dercy Gonçalves e Abelardo Barbosa, o Chacrinha, foram importantes para sedimetar a audiência entre as classes mais baixas da população. Quando começou a se consolidar passou a adotar uma estética glamourizada ou então anti-séptica em suas produções. E o cafona obviamente não fazia parte deste padrão.

Abelardo Barbosa (Chacrinha)

Abelardo Barbosa e seu programa A Discoteca do Chacrinha, deu visibilidade e popularidade a emissora. Cantores como Wando, Agnaldo Timóteo, Odair José e Nelson Ned sempre tiveram espaço. Com a adoção de um novo padrão estético, o velho guerreiro, teve que se enquadrar e o seu relacionamento com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho - o Boni a deteriorar. Em 1972 como a situação ficou insustentável ele rescindiu o contrato. Com sua saída, foram embora também os cantores populares. Para ocupar o espaço, foi criado o programa Fantástico. Chacrinha voltaria nos anos 1980, mas já não era o mesmo.

A TV Globo se consolidou na década de 1970 e sem concorrentes a altura, ditava as regras do mercado cultural. Compositores e cantores que apareciam nela pela primeira vez rapidamente alcançavam o sucesso. Muitos consolidaram suas carreiras jogando pelas regras da emissora. Os demais eram esquecidos tão rápido quanto haviam surgido. Afinal, como diz o dito popular: quem não é visto, não é lembrado.

A seguir, o trailer do filme "Alô, Alô Terezinha", direção de Nelson Hoineff, distribuição: Imovision Setembro 2009.



Documentário: Muito além no Cidadão Kane

Muito além do Cidadão Kane é um documentário produzido pela BBC de Londres - proibido no Brasil desde a estréia, em 1993, por decisão judicial - que trata das relações sombrias entre a Rede Globo de Televisão, na pessoa de Roberto Marinho, com o cenário político brasileiro.
- Os cortes e manipulações efetuados na edição do último debate entre Luiz Inácio da Silva e Fernando Collor de Mello, que influenciaram a eleição de 1989.
- Apoio a ditadura militar e censura a artistas, como Chico Buarque que por anos foi proibido de ter seu nome divulgado na emissora.
- Criação de mitos culturalmente questionáveis, veiculação de notícias frívolas e alienação humana.
- Depoimentos de Leonel Brizola, Chico Buarque, Washington Olivetto, entre outros jornalistas, historiadores e estudiosos da sociedade brasileira.



MÚSICA E CONTESTAÇÃO POLÍTICA




Os cantores “cafonas” e o AI-5

Com a decretação do Ato Institucional n.5 (ato que oficializou a ditadura militar no Brasil) em 1968, o governo determinou a censura prévia à imprensa, à música, ao teatro e ao cinema. O ato marca o início da linha dura da ditadura militar.
Os artistas e o público da música popular romântica não tiveram relação direta com o AI-5 e com as manifestações realizadas pela elite e pela esquerda durante aquele período. Sua decretação não afetou os cantores “cafonas”. Alheios as questões políticas, ocupados e preocupados em trabalhar para poder se sustentar e sustentar suas famílias, eles revelam a Paulo Cesar de Araújo que não participaram das manifestações e que o AI-5 pra eles não foi importante. Claudio Fontana, por exemplo, afirma que tinha que voltar a pé pra casa do trabalho porque os ônibus não passavam em decorrência das manifestações no Rio de Janeiro (ARAÚJO, 2005, p. 40).
Mas mesmo estando “desligados” da questão política “a produção musical desses artistas vai denunciar o autoritarismo vivenciado pelos segmentos populares em nosso país” (ARAÚJO, 2005, p.48).


Waldik Soriano



Polêmico, Waldik Soriano, em 1973, numa entrevista ao jornal Zero Hora de Porto Alegre, defendeu a existência de grupos de extermínio e disse que Cristo para ele era um arruaceiro e enganador. A sociedade não gostou nada dessas declarações e vários setores se mobilizaram para derrubar Waldik. Deputados do Rio Grande do Sul da Arena (partido do governo militar) e do MDB (partido de oposição), uniram-se em pronunciamentos contra ele, deixando de lado, por um momento, divergências entre os dois partidos. Eles defendiam a censura e o banimento de Waldik Soriano, esquecendo-se, os deputados do MDB, “de que um dos principais itens do programa do seu partido naquele momento era exatamente a defesa da liberdade de oposição e de imprensa” (ARAÚJO, 2005, p. 72). Waldik também sofreu censura da sociedade, em algumas cidades do interior do Brasil seus discos e pôsteres foram queimados em fogueiras armadas em praça pública. Em 1974, ano que talvez tenha sido o ápice da censura sobre a música popular no Brasil, Waldik Soriano teve sua canção Tortura de Amor censurada. O motivo: continha a palavra “tortura”, e era inadmissível que se falasse em tortura naquele período. Período no qual a tortura foi ostensivamente utilizada pelo regime militar no combate a brasileiros com atitudes subversivas e/ou terroristas e, embora a música, com intenção poética, “era muito grávida de sentido naquele momento para ser liberada” (ARAÚJO, 2005, p. 75). A música foi composta no final dos anos 50 e foi gravada por vários cantores, mas foi na regravação pelo próprio Waldik que ela enfrentou problema com a Censura em 1974.




Benito di Paula, a Censura e o drible à Censura



O cantor e compositor Benito di Paula, ícone do chamado sambão-jóia, também sofreu repressão política e teve que utilizar o recurso da “linguagem da fresta” para burlar o cerco da Censura, onde as letras das músicas faziam sentido não no dito, mas no interdito, nas entrelinhas. Benito di Paula teve seu primeiro LP recolhido das lojas logo após seu lançamento, em 1971, por conter na faixa de abertura o samba Apesar de Você de Chico Buarque. Quando se decidiu incluir a música no LP de Benito ela ainda não estava proibida. “Num primeiro momento não era óbvio para todo mundo que a mensagem de Chico Buarque era endereçada ao presidente Médici. A própria Censura só foi perceber isto meses depois do lançamento, quando o compacto de Apesar de Você já tocava na rádio e havia vendido cerca de 100 mil cópias” (ARAÚJO, 2005, p. 104). Até aquele momento Chico Buarque não era identificado como autor de canções de protesto e não possuía a imagem de paladino da democracia e de contestador do regime militar. Isso pode ser percebido com a música Bom tempo que foi vaiada pelo público de esquerda durante a Bienal do Samba em 1968, eles não compreendiam o motivo de tanto otimismo expresso nos versos da música.



Outra música de Chico Buarque também foi vaiada três meses depois no III Festival Internacional da Canção, quando sua composição Sabiá em parceria com Tom Jobim venceu a música Pra não dizer que não falei de flores de Geraldo Vandré. “Diante do engajamento explícito da música de Vandré, os versos de Sabiá e, principalmente, do samba Bom tempo, soavam demasiadamente brandos, escapistas e inofensivos” (ARAÚJO, 2005, p. 104).





Para driblar a Censura Benito di Paula utilizou a linguagem de fresta em suas músicas O bom é o Juca (composição de Carlos Magno e que também faz referência ao general Médici) e Tributo a um rei esquecido (homenagem ao cantor e compositor Geraldo Vandré). No final da música O bom é o Juca utiliza-se “o bom é o Juca e tem que ser/ presidente da escola” para não ser acusado de pretender o cargo do presidente Médici. E assim a música foi liberada pela Censura que não percebeu a analogia entre Brasil-favela, presidente da República-presidente da escola.



Quanto à música Tributo a um rei esquecido o verso “Eu quis gritar seu nome/ não pude” é uma referência ao fato de não se poder nem sequer pronunciar o nome de Geraldo Vandré. Vandré após apresentar no III Festival Internacional da Canção a música Pra não dizer que não falei de flores, canção que fazia a mais contundente crítica ao Exército brasileiro e num momento em que as Forças Armadas controlavam os poderes da República, recebeu várias críticas do governo e com a decretação do AI-5 teve que fugir do país. Em um esconderijo antes de deixar o país Geraldo Vandré compôs ainda A canção da despedida. Existem duas lendas sobre sua volta ao Brasil: a primeira e mais difundida diz que ele foi preso, torturado, castrado e enlouqueceu; a segunda, diz que ele fez acordo com os órgãos de repressão na sua volta, mas nenhuma das duas foi confirmada. Vandré insiste em dizer que nunca foi torturado e se nega a falar sobre o assunto. Outra composição de Benito di Paula, Proteção às borboletas, foi liberada no Brasil, mas foi proibida na Argentina . Frases como “tudo que eu penso é liberdade”, “não quero ser maltratado” e “minhas asas, minhas armas”, soaram muito subversivas para serem ouvidas num país que vivia o auge da repressão militar naquele momento.




Luiz Ayrão e o protesto dos Treze anos; Wando e a crítica social



Luiz Ayrão, por ter conseguido se formar em Direito, é um dos únicos desta geração de artistas “cafonas” que fez algumas canções com letras intencionalmente políticas. Uma dessas músicas é o samba Treze anos e que também sofreu com a Censura. “Embora não traga em seu título referências políticas muito óbvias, é um dos mais contundentes protestos produzidos no âmbito da musica popular contra o regime ditatorial instalado no Brasil em 1964”. O samba é uma resposta as comemorações dos treze anos da revolução de 1964. Ele foi proibido pela Censura com o título de Treze anos, mas Luiz Ayrão, malandramente troca o nome do samba para O divórcio e o manda para um outro departamento de Censura sem mudar nada na letra, e com isso é liberado. Quando o general Fernando Belfort Bethlem ouviu a música não gostou nada e esbravejou aos quatro cantos: “Vocês são todos uns calhordas! Olha só o que esse cara fez. Ele sacaneou todo mundo e ninguém viu (...) esse cara sacaneou todos nós e vocês deixaram” (ARAÚJO, 2005, p. 122). Com a ameaça de o disco ser recolhido das lojas a gravadora acionou um advogado para intervir junto à Brasília, o qual, com muita luta e conversa conseguiu fazer com que a música não fosse proibida.
Este período foi marcado por uma rearticulação da sociedade civil em diversas frentes de participação contra a ditadura. Entre elas destacam-se a luta pela redemocratização do país liderada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil); as Comunidades Eclesiais de Base, que se formavam em torno de paróquias da periferia e das capelas em zonas rurais; a mobilização dos trabalhadores do ABC paulista nas fábricas e nos sindicatos; e a retomada do movimento estudantil. Para Paulo Cesar, o samba O divórcio poderia ter servido de trilha sonora para tantas passeatas promovidas naquele período, mas “os estudantes universitários não ouviam cantores populares como Luiz Ayrão e por isso não tomaram conhecimento do samba” (ARAÚJO, 2005, p. 126). Em obras de artistas populares como Luiz Ayrão, Benito di Paula e Wando, “negavam-se as intenções críticas, por mais evidentes que fossem. Como não eram nomes identificados com a MPB, não seriam capazes de refletir e criticar” (ARAÚJO, 2005, p. 127).



O cantor e compositor Wando, também fez músicas com forte conteúdo crítico-social, a música Presidente da favela é um exemplo. Ela chama a atenção para um dos aspectos sociais mais importantes daquele período: a emergência de movimentos de organização de moradores de bairros e favelas.



Ufanismo?

A dupla Dom & Ravel ficou marcada como representante da ideologia expressa pelo regime militar e principal porta-voz das realizações do governo no período do “milagre econômico”, com sua música Eu te amo meu Brasil, gravada em 1970, em meio a euforia coletiva pela conquista da Copa do Mundo do México, pelo grupo de rock Os Incríveis.





A música se tornou um grande sucesso naquele ano, e ao mesmo tempo, tornou-se uma das músicas mais rejeitadas por aqueles que faziam oposição ao regime militar. “A composição traz implícita a ideologia do nacionalismo ufanista, característico dos regimes autoritários, mas ao recordar o tema Dom afirma que ele é resultado de influências da época, do que estava vendo e ouvindo nos rádios, nas propagandas e nas ruas” (ARAÚJO, 2005, p. 215). Havia um orgulho em ser brasileiro e uma onda ufanista cobria o Brasil de norte a sul. E esta onda de entusiasmo pelo Brasil não foi expresso apenas por Dom & Ravel, “diversos compositores, das mais variadas tendências da música, produziram mensagens que, em maior ou menor grau, se harmonizavam com a atmosfera desejada pela propaganda oficial do regime” (ARAÚJO, 2005, p. 217), mas somente a dupla Dom & Ravel ficou estigmatizada por isso. Um exemplo da alegria coletiva com a nação brasileira expressa em forma de música é a composição País tropical de Jorge Benjor lançada por Wilson Simonal em 1969. Vale ressaltar que Médici recebeu várias manifestações de afago e incentivo de vários cantores populares. Por causa da propaganda feita pelo seu governo e pelo “milagre econômico”, Médici foi muito elogiado. O grupo Os Originais do Samba, os sambistas Jorginho do Império e Pedrinho Rodrigues, também gravaram músicas exaltando o Brasil e defendendo o slogan do governo Médici: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. O conjunto de Waldeck de Carvalho, o cantor Roberto Silva e o bloco Cacique de Ramos manifestaram em músicas seu apoio e simpatia ao governo Médici.
O vendaval ufanista também arrastou artistas da MPB que transitavam pelos círculos da esquerda, é o caso de Ivan Lins, que no V Festival Internacional da Canção, em 1970, apareceu com a composição
O amor é o meu país. “A oposição protestava mas as adesões se ampliavam”.



“A marcha Eu te amo meu Brasil é apenas mais uma entre diversas outras composições que naquele momento expressavam um certo otimismo com o país. (...) Para estes artistas, como para grande parte da população brasileira, o ufanismo era algo natural e legítimo naquele momento” (ARAÚJO, 2005, p. 223).

Em março de 1971, a dupla Dom e Ravel gravou seu primeiro LP, e uma das faixas de maior destaque é a balada Só o amor constrói, mensagem de união e fraternidade que, mesmo não sendo ufanista, está acompanhada de signos identificados com a ideologia expressa pelo regime militar. Dom em entrevista dada a Paulo Cesar,diz que ele “via gente comentando que muitas pessoas tinham sido assassinadas, tanto de um lado quanto de outro: gente da esquerda matando; gente da direita torturando, aquela confusão toda, um lado querendo destruir o outro” (ARAÚJO, 2005, p. 228), e por isso fez a música com a intenção de ver os interesses divergentes conciliados, conciliados pelo amor.
Outra gravação da dupla, em 1971, que também alcançou sucesso e polêmica foi a canção Você também é responsável, que se tornou uma espécie de símbolo do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Dom realmente acreditava no projeto educacional, ele disse que “já estava pensando em fazer uma música abordando a questão educacional em nosso país, mas ao tomar conhecimento mais profundamente daquele projeto de se erradicar o analfabetismo do Brasil, resolvi fazer Você também é responsável” (ARAÚJO, 2005, p. 229). A composição expressa dois aspectos: entusiasmo com o projeto do governo e empatia com a dificuldade de milhões de brasileiros que, excluídos da ordem social, não tiveram oportunidade de aprender a ler e escrever. E canções e mensagens de exaltação ao Mobral não faltaram naquele período.



Muitos afirmam que a dupla recebeu dinheiro do governo militar para fazer a música, mas os irmãos negam essa afirmação enfatizando que jamais ganharam nada, pelo contrário, entregaram 50% dos direitos autorais dessa música para o movimento do Mobral.



Eu não sou cachorro, não: queixa amorosa ou rejeição social?

A música Eu não sou cachorro, não de Waldik Soriano é uma canção emblemática da época. Foi lançada em outubro de 1972 e alcançou, rapidamente, os primeiros lugares das paradas de sucesso, vendeu milhares de cópias e se tornou o maior sucesso de Waldik.





Uma das explicações da época para tanto sucesso era “de que o povo brasileiro é ingênuo, que aceita qualquer coisa” (ARAÚJO, 2005, p. 236). Mas será que a música não apresenta uma mensagem de conteúdo crítico? Aparentemente é apenas mais uma canção de dor-de-cotovelo, mas seu refrão “Eu não sou cachorro, não/ pra viver tão humilhado” poderia ser um forte apelo popular endereçado aos representantes da opressão vivenciados pelo público que ouvia essa música. A “inserção no contexto autoritário e excludente da nossa sociedade investe Eu não sou cachorro, não de um sentido crítico que lhe dá nova conotação, sem esvaziá-lo de seu sentido original” (ARAÚJO, 2005, p. 237). A opressão relatada na letra da música não se refere somente a uma relação amorosa e o público, talvez, não a interpretasse apenas desta maneira. Paulo Cesar afirma que o processo de releitura coletiva do significado explícito de uma canção é muito mais comum do que se imagina. O samba Opinião de Zé Keti – que originalmente era um protesto contra o Programa de Remoção 1964, foi transformado pela esquerda em um emblema para a luta contra o governo militar. A música era muito cantada pelo público universitário, mas, segundo Ruy Castro, “era inacreditável que as pessoas não se sentissem desconfortáveis na platéia quando Zé Keti continuava a letra – (...’daqui do morro eu não saio, não/ se não tem água eu furo um poço/ se não tem carne eu compro um osso/ e ponho na sopa/ e deixa andar/ deixa andar...’) – trecho que apresenta o mais leso e preguiçoso conformismo, mas ninguém parecia reparar” (ARAÚJO, 2005, p. 239).



“Esta releitura ou apropriação que o público de classe média intelectual fez do samba de Zé Keti pode ter sido realizada também pelas camadas populares em relação ao bolero de Waldik Soriano. E, neste sentido, ambas as composições veicularam uma mensagem de protesto e resistência” (ARAÚJO, 2005, p. 239). Os protestos feitos em outras canções “cafonas” são diferentes dos que foram produzidos pelos compositores de formação universitária, mas não são menos protesto por causa disso.
O caráter de resistência contido na composição de Waldik foi percebido por alguns compositores da MPB, os quais se apropriaram do refrão de Eu não sou cachorro, não, enfatizando-lhe o conteúdo crítico. Entre eles pode-se citar o cantor Belchior, que em uma de suas canções cita os versos de Waldik: “Miseráveis sempre sem pão/ e daqui a pouco, sem circo/ coisa ante cuja visão dá vontade de morrer.../ ...eu não sou cachorro, não/ pra viver tão humilhado...”; e Caetano Veloso, que ao lado de uma canção de Chico Buarque citou a canção de Waldik em Pecado original: “Quando a gente volta o rosto/ para o céu e diz/ olhos nos olhos/ da imensidão/ eu não sou cachorro, não...”. “Ao citar os boleros Olhos nos olhos, de Chico Buarque, e Eu não sou cachorro, não, de Waldik Soriano, Caetano Veloso destacava os principais representantes de duas vertentes da música popular brasileira do período: Chico Buarque (canção de caráter sociopolítico) e Waldik Soriano (canção de lamento/queixa amorosa), relativizando assim a oposição MPB/MPC” (ARAÚJO, 2005, p. 241).





Os exilados políticos da MPB e os exilados em sua própria pátria


Entre as canções de protesto produzidas por compositores da MPB durante o regime militar destaca-se a temática do exílio, pois a realidade em que eles estavam inseridos era marcada por este fato. Essa questão atingia diversos políticos, artistas e intelectuais brasileiros nesse período. Quanto aos compositores “cafonas”, a realidade social é outra, mas também abordam a temática do exílio, só que abordando o “drama dos exilados em sua própria pátria: os milhões de brasileiros anônimos que, forçados por um sistema político-econômico excludente, deixaram sua cidade natal e partiram em busca de melhores condições de vida na área urbano-industrial do sul do país” (ARAÚJO, 2005, p. 243). Vale lembrar que a maioria dos cantores “cafonas” também eram imigrantes de outros estados do Brasil que estabeleceram suas carreiras no eixo Rio-São Paulo. Os compositores “cafonas” expressam em diversas canções a inadequação à grande metrópole e o desejo de retornar a cidade natal. Esse exílio é retratado por Paulo Sérgio em sua composição Vou voltar pra minha terra:


“Não suporto essa espera de rever o que é meu
Vou contar, na minha terra, tudo que me aconteceu
Eu cheguei aqui há pouco, mas aqui não fico mais
A saudade em mim é tanta de rever meu lar, meus pais”.



Um drama vivenciado por muitos brasileiros durante o regime militar e que vai ser tema de várias canções “cafonas” e da MPB é a figura do policial militar como um símbolo máximo da repressão. Tanto a canção Camburão do cantor “cafona” Kleber (enfatizando o camburão) quanto Acorda amor de Chico Buarque (enfatizando a viatura) apresentam essa figura do policial militar, a primeira retratando a repressão de que são vítimas os integrantes das camadas populares em seu cotidiano no Brasil e a segunda enfatizando a perseguição sofrida na época por cidadãos de classe média envolvidos na oposição ao regime militar.
“O mais grave hoje no Brasil é que muitas das vozes que clamavam contra a tortura no tempo do regime militar silenciaram, e constata-se agora uma certa complacência da sociedade – para não dizer o aplauso de setores das elites e de muitos segmentos médios. É como se a tortura praticada contra os estratos mais baixos da população não fosse tão grave assim. É como se não existisse mais tortura no Brasil”. (ARAÚJO, 2005, p. 249).


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Referências:
ARAÚJO, Paulo Cesar de. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2005.